Países desenvolvidos como os EUA, cultivam o ideal de que o
empreendedorismo e o trabalho podem levar o cidadão a alcançar seus sonhos. É o
chamado Sonho Americano.
Ao longo dos anos, no Brasil, convencionou-se que a única
forma de um cidadão comum conquistar o seu lugar ao sol é através de um
concurso público, o qual garantirá um emprego estável. Listas de aprovados
tornaram-se tábuas da salvação, e o emprego público, com suas diversas
vantagens, suas poucas obrigações e sua estabilidade perene tornou-se o grande
sonho a ser alcançado por uma grande parcela de brasileiro. Esse é o SONHO
BRASILEIRO de uma turma que se autodenomina "CONCURSEIROS".
Não se sabe ao certo onde esse facinio pela carreira pública
começou, mas é provável que a notória instabilidade econômica do Brasil,
juntamente com o histórico desprezo da sociedade brasileira pelas formas de
trabalho desempenhadas por profissionais sem um título de Bacharel (fruto de
nossa herança escravocrata) tenha contribuído para o ideal de que somente
funcionários públicos serão poupados no Dia do Juízo Final (ainda que você
queira mandar todos para o inferno).
É evidente que, em determinadas carreiras, o serviço público
pode ser uma alternativa viável.
Eis os 10 motivos pelo qual ter um emprego público pode ser
uma fria:
1. Você estará
trabalhando para o governo.
Existem trabalhos para órgãos governamentais que podem ser
considerados nobres: um abnegado professor de uma escola pública, um abnegado
médico de um hospital público, um abnegado fiscal da Anatel que coloca operadoras
de celular contra a parede. Até mesmo um policial emocionalmente equilibrado
pode desempenhar um serviço nobre à população. No entanto, você consegue
imaginar algo mais mesquinho, medíocre, ordinário, insignificante, ignóbil e
torpe do que fazer um serviço burocrático para o governo? Foi para isso que
você veio ao mundo? Seja sincero: quando você era criança e o perguntavam “O
que você vai ser quando crescer?”, você respondia “Um escravo irracional a
serviço de um monstro sem rosto de um milhão de tentáculos chamado Governo,
cujo objetivo é estrangular a todos”?Você pode achar que está apenas servindo à
população e que está fazendo o bem comum, mas não se engane! Em determinado
momento da sua carreira pública, um viscoso tentáculo do Governo vai entrar na
sua pacata repartição pública, provavelmente escondido dentro de um processo, e
vai mostrar a você quem é que manda. O povo, que você estava servindo com tanta
dedicação, vai sair da sala com o rabinho entre as pernas, como um cachorrinho
amedrontado ao observar o tamanho do monstro sem rosto que acaba de chegar.
Quanto mais tempo você trabalhar para o governo, maiores serão as chances de
você fazer algo vergonhoso com o qual discorda radicalmente, simplesmente
porque “é assim que está no regimento interno do órgão” ou porque são “ordens
de cima”. Se você tem opiniões, guarde-as para você. Você é funcionário
público. Se quisesse fazer algo que envolvesse mais do uma sinapse cerebral,
não deveria ter feito o concurso. Acostume-se, e seja bem-vindo. Vai acontecer
uma porrada de vezes.
2. Você estará preso
ao mesmo emprego para sempre
Ironicamente, o aspecto mais apreciado do emprego
público — a estabilidade — é justamente a sua faceta mais deplorável. Pessoas
que trabalham em órgãos públicos são invariavelmente atacadas por uma doença
chamada Síndrome do Cagalhonismo Público Adquirido, ou SCPA. Muitas pessoas já
nascem com essa condição e morrem de medo de qualquer emprego no qual exista a
possibilidade de ser demitido por faltar dois dias seguidos. Não surpreende que
pessoas com este perfil acabem no Funcionalismo. Todavia, há aqueles que
resolvem fazer um concurso como alguém que faz uma entrevista de emprego em uma
empresa privada: ou seja, estão apenas atrás de um trabalho. Se essa pessoa for
aprovada no concurso e chamada pelo órgão, ela entrará em uma espiral de
acomodação da qual nunca mais conseguirá sair. Isso se aplica a qualquer
emprego público, mesmo aqueles poucos que não pagam bem ou que são muito
insuportáveis. Agora pense: se você trabalha em um emprego insuportável que
paga mal, o que você faz? Vai atrás de coisa melhor, correto? Não se você
estiver sofrendo de SCPA. Nesse caso, você começará a ter pesadelos com a
possibilidade de trabalhar na iniciativa privada, e só irá ver uma saída possível
para o seu trabalho odioso: fazer outro concurso. E aí, é um processo demorado.
Mesmo se você passar, precisará conseguir uma boa classificação e esperar um
bom tempo até ser chamado. E em alguns casos, estará trocando um emprego
público odioso por outro.Para quem já desistiu de viver, ficar o resto da vida
em um emprego odioso é uma alternativa plenamente viável. O problema é quando
uma pessoa de 20 e poucos anos, cheia de sonhos profissionais, cai em uma
repartição indistinta e começa a seguir carreira, quase acidentalmente. Ganha
uma promoção ou duas, vira chefe de algum setor pacato e começa a receber
gratificações. No momento em que essa pessoa começar a pensar em seguir os seus
sonhos, estará ganhando suficientemente bem, e terá uma crise de SCPA. É uma
pena. Essa pessoa poderia estar descobrindo a cura para o câncer, ou até mesmo
para a SCPA, mas ao invés disso, está fazendo um relatório solicitando a compra
de mais 500 pacotes de papel para a repartição.
3. Você será
desprezado por qualquer pessoa que não trabalhe no serviço público.
No momento em que você tomar posse no seu glorioso
empreguinho público, estará automaticamente transformado em um tremendo
vagabundo incompetente aos olhos de todos. Alguns amigos irão olhá-lo com
inveja, por secretamente desejar estar em um trabalho que os ofereça a
possibilidade de vagabundear livremente como o seu. Outros amigos, de perfil
mais arrojado e criativo, irão olhá-lo com uma certa dose de condescendência.
Vão entender que você “desistiu”, principalmente se reconhecerem algum talento
em você. Nas primeiras semanas, você ouvirá piadinhas sobre ter muito tempo
livre desde que se tornou funcionário público, ou sobre algum outro aspecto da
carreira que costuma ser motivo de deboche. Com o passar do tempo, o riso
jocoso será substituído por um riso de escárnio, e você finalmente se dará
conta de que perdeu completamente qualquer traço de amor-próprio a partir do
instante que resolveu virar funcionário público. Não há como fugir disso: o
funcionário público é uma dessas profissões saco-de-pancada onde a população
pode descontar suas frustrações profissionais. É o preço que você paga pela
estabilidade, pelas mordomias e pelos altos ganhos que sua profissão oferece.
Você será sempre um catártico boneco-de-Judas para o povo. Essa é uma carreira
em que você poderá ter altos ganhos em um curto espaço de tempo, mas enfrentará
estigma social. Mais ou menos como ser prostituta de luxo.
4. Colegas de
trabalho psicóticos e incompetentes serão eternos
Pense num colega de trabalho fictício. Ele trabalha em um
setor fictício que é crucial para o bom andamento do seu trabalho. Vamos chamar
esse setor de “Setor de Andamentos”. Mas sempre que você pede para que ele
atenda algum serviço fundamental para o seu trabalho ele
1) não está na sala
2) não está no prédio ou
3) não está de bom humor
Aliás, está de péssimo humor, e acabou de jogar um
grampeador na sua direção… Resultado: você vai ter que dar um jeito de realizar
esse trabalho de uma forma que não envolva o seu peculiar colega do Setor de
Andamentos, ainda que a maioria dos serviços em repartições públicas obedeçam à
lógica de uma linha de montagem da Ford no início do século 20.Agora, imagine
que esse colega fictício trabalhe em uma empresa privada. Ele será demitido. Pode
não ser hoje, pode não ser amanhã, mas ele será demitido, porque ele coloca
todo o fluxo de trabalho da empresa em risco. Mas no Serviço Público, é
impossível demitir maus funcionários. Até existem casos de demissões, mas são
tão fáceis de reverter que chegam a ser risíveis. Funciona assim: o funcionário
demitido entra com um processo alegando perseguição dos chefes que o colocaram
para a rua. (É bom citar motivos políticos — juízes adoram isso). O Poder
Judiciário então dará ganho de causa para a “vítima de perseguição” (sempre), e
ele voltará como se nada tivesse acontecido.Como o seu colega do Setor de
Andamentos não será demitido, reze para que ele seja transferido de setor, a
fim de que esse entrave na sua rotina de trabalho seja removido. Aproveite também
e peça intervenção divina para que ele não seja transferido para o seu setor. É
bom deixar essas coisas bem claras com a divindade de sua escolha.
5. Você não estará
totalmente imune ao estresse
Outro erro comum que pessoas perseguindo o sonho da estabilidade
cometem: acreditam que o serviço público é um oásis de tranqüilidade e
segurança, onde jamais irão se incomodar com nada. Pode até ser verdade se você
for colocado para trabalhar em um setor particularmente inútil, mas não se
engane: o nome desse troço é “Serviço Público”. Onde há serviço público, há
público. Pessoas. Já pensou em ter que trabalhar em atendimento ao público?
“Mas eu gosto de trabalhar com atendimento ao público!”, você pode dizer.
Espere só até atender um advogado perverso que segura sua OAB como uma
submetralhadora (não sei por que, mas parecem ser a maioria). Não se esqueça
que você estará atendendo principalmente brasileiros, pessoas que têm o péssimo
hábito de achar que seus direitos são mais urgentes e importantes do que os direitos
de outras setecentas pessoas que requisitaram exatamente a mesma coisa naquele
mês, e com maior antecedência. Além do mais, a organização que você representa
não é exatamente um modelo de gestão eficiente. Como você vai explicar para
essas setecentas pessoas emperradas no kafkaniano fluxo de trabalho de uma
burocracia estatal que suas solicitações não foram atendidas porque o seu
colega psicótico do Setor de Andamentos mantém todas as solicitações como
reféns? Se você não é bom inventando desculpas esfarrapadas, vá se preparando.
6. Há muita política
no Serviço Público
Existe um senso comum de que todos os problemas da
administração pública serão magicamente resolvidos no momento em que excelentes
gestores da área privada assumirem a liderança de órgãos públicos. Esses
gestores irão colocar os funcionários para trabalhar, seguindo princípios de
uma administração eficiente, inovadora e pro ativa. Pessoalmente, acho que os
defensores dessa idéia se esquecem de um aspecto fundamental que nem todo
gestor da área privada possui: a capacidade de ser “político”, levada às
últimas circunstâncias. Porque para conseguir as coisas no Serviço Público, é
necessário uma quantidade atroz de tapinhas nas costas, uma vez que você
trabalha em um local onde o administrador não têm a sua principal moeda de
troca: a ameaça de demissão.Quando estava começando a trabalhar no Serviço
Público, um colega meu resolveu me apresentar à repartição. Ele me apresentou
aos meus demais colegas e mostrou quais setores seriam importantes para o meu
trabalho. Uma frase que ele falou ao pé do ouvido, quando me apresentou o
nevrálgico Setor de Reprografia, ficou na minha cabeça para sempre:“É bom ficar
amigo dos caras aqui. Sabe como é, pode surgir alguma coisa urgente para tirar
cópia…”Na hora, não assimilei direito o conselho. “Se é urgente e esse é o
trabalho deles, eles terão que fazer, correto?” Não é bem assim que funciona,
no Serviço Público. Aqui, é fundamental ter uma relação de falsa amizade com
todos. Somente isso garantirá que você consiga “tocar as coisas em frente”,
“fazer a máquina girar”, “manter esse trem desgovernado nos trilhos”, etc. É
isso que separa um gestor público bem sucedido de um gestor público
malsucedido. Você pode achar que é um MBA em Harvard, mas a resposta é bem mais
simples: Curso de Tapinha nas Costas Básico, com Ênfase em Vaselinagem.
7. Você verá homens
de sandália
Em nenhuma outra profissão do mundo você irá se deparar com
uma quantidade tão grande de homens de sandália. Ninguém deve ser obrigado a
ver isso, dia após dia.
8. Há muita política no Serviço Público (Já falei isso?)
Partidos políticos no Brasil existem para dois motivos 1)
dar contratos para financiadores de campanha 2) colocar gente do partido em
órgãos públicos. Se você virar funcionário público, terá que se acostumar a
trabalhar com o CC, essa instituição brasileira. Por experiência própria, o CC
é como tirar cara ou coroa: pode até trabalhar mais do que um concursado, mas
também pode superar em todos os níveis concebíveis a vagabundagem humana. Uma
das lideranças do Partido colocou o filho de 18 anos para trabalhar no seu
setor, e ele quer ler o jornal e atualizar o Facebook antes de começar a
“trabalhar” (geralmente às 11h da manhã). O problema é que você precisa que ele
finalize uma tarefa até às 10h30. Boa sorte.Um amigo meu que trabalha em um
órgão do Judiciário diz que isso é uma característica específica de órgãos do
Executivo, onde os CCs são todos “amigos do Rei”. Segundo ele, os CCs carregam
o seu órgão do Judiciário nas costas, enquanto lá os concursados são todos uma
cambada de vadios. Só sei que deve ser uma tremenda ironia ver o Judiciário
demitir um concursado vadio para depois readmiti-lo quando ele entrar com um
processo alegando perseguição!
9. Cometeu uma falha?
Diga olá para o Ministério Público.
Não é preciso trabalhar em órgão público para saber que
esses locais não são exatamente incorruptíveis. Aliás, se você trabalhar em um
órgão público relativamente grande, pode ter certeza que já cruzou com um
corrupto pelo corredor: você apenas não sabe. Assim, é fundamental redobrar a
vigilância em relação aos seus colegas de trabalho e às pessoas que você
atende.No entanto, mesmo se você for uma pessoa totalmente honesta, que não tem
orgasmos ao pensar em enriquecimento ilícito, poderá se complicar. Digamos que
você tenha perdido um processo em meio a uma quantidade de papel maior que as
Pirâmides do Egito. E digamos que este processo trate de questões criminais e
que ele esteja sendo solicitado com urgência por um órgão de Segurança, uma
Procuradoria ou o próprio MP. É bom ter uma boa explicação para dar ao juiz,
quando ele abrir um inquérito para apurar o sumiço do processo, do qual você é
o principal culpado.
10. O Serviço Público
fecha portas
Você acabou de se recuperar de um surto de SCPA e decidiu
que tentará a sorte na iniciativa privada, pois ouviu falar de pessoas na sua
área que estão ganhando mais do que você, trabalhando em empresas que oferecem
maiores possibilidades de crescimento profissional. É bastante improvável que
alguém irá contratar você quando olhar esse seu currículo que, de tão estatal,
tem cheiro de poeira de arquivo e tinta de carimbo.As portas são fechadas até
em situações mais sutis. Além de ser um escravo irracional a serviço de um
monstro chamado Governo, trabalho como tradutor freelance. Posso citar pelo
menos duas situações onde clientes torceram o nariz ao descobrir que eu era
funcionário público. Na cabeça deles, há uma incongruência: “Por que ele tem um
emprego público se é tradutor? Ele não é bom o bastante para ser apenas
tradutor?” Na cabeça do cidadão médio, o único trabalho freelance que você
poderá desempenhar no Serviço Público é o de vendedor de Avon ou Natura. Já pensou em quantas oportunidades você estará deixando de aproveitar em nome da tal estabilidade? Afinal você começa a pensar na aposentadoria no dia seguinte ao dia que você tomou posse no seu tão sonhado emprego publico.