A viagem para Macapá seria feita com o
NAVIO ANA BEATRIZ IV; era um barco grande com capacidade para 740 passageiros, mais
tripulação e cargas. No barco tinha duas opções de viagem; ir pendurado em rede
ou alugar um camarote. Comprei um bilhete para o camarote, porém só tinha um
camarote disponível, e o mesmo já estava ocupado por uma pessoa; ou seja, iria
dividir um camarote com uma pessoa totalmente desconhecida; achei melhor isso, do
que passar 24 horas em uma rede, com minhas bagagens expostas; a maioria das
pessoas, viajavam com outras pessoas, assim quando um sai de perto das bagagens,
outro fica olhando; no meu caso estava viajando sozinho, então achei melhor não
arriscar.
As 11h30min da manhã zarpamos rumo a
Macapá; subi até o ponto mais alto do barco e avistei ao mais longe que pude; fui
vendo a grande cidade de
Belém ficando para trás e a minha frente apenas um imenso rio e muita floresta;
o vento tocando meu rosto, a mente vagando, o
coração palpitando, e um misto de admiração e solidão me tomaram de assalto.
Para alguém que gosta de contemplar a natureza; com certeza a paisagem do Rio Amazonas
com sua imensidão de águas e florestas é um espetáculo único. Fomos subindo o
rio e aproveitando para apreciar a paisagem enquanto era dia.
O barco que aqui eles chamam
de navio, tinha o porão onde ficava a casa de maquinas; o primeiro piso, era
onde se colocavam as mercadorias que transportavam de uma cidade a outra; o
segundo piso tinha uma parte ocupada pelos camarotes, que continha banheiro
privativo, uma beliche, e ar condicionado; noutra parte tinha um salão enorme
onde era reservado para as pessoas que viajariam penduradas em redes; o salão
era fechado com janelas de vidro e climatizado com potentes ares condicionado;
ao fundo ficavam os banheiros comunitários, a cozinha e o refeitório; no
terceiro piso tinha mais camarotes e mais um salão para redes; porém esse era
sem ar condicionado; e no fundo do terceiro piso tinha um bar. À, o bar; O bar
era onde rolava o maior barulho do barco, mais barulho que os próprios motores,
(rs). O bar abria às 9 da manhã e fechava só a hora que não tivesse mais
clientes; serviam bebidas em geral, salgados, porções e outras pequenas coisas;
enquanto o bar estivesse aberto o som rolava alto e sem trégua; brega,
tecnobrega e calypso, era só o que tocava no volume máximo o tempo todo; à
noite, além da musica, tinha um telão onde passava o show do artista que estava
cantando; as luzes brancas se apagavam e as luzes coloridas piscando, tomavam
conta do ambiente; algumas pessoas dançavam, outras continuavam bebendo; enfim
era uma boate funcionando até no meio da madrugada dentro de um navio,
navegando pelo Rio Amazonas.
Como não existia luxo, o
preço da viagem até que não era exorbitante; a passagem na rede era 120 reais;
o camarote era 250 reais por pessoa; se quisesse ficar sozinho no camarote
teria que pagar 500 reais. O café estava incluso no preço das passagens, porém
o almoço e a jantar eram 15 reais por um prato feito ou por marmitex. A comida
até que não era ruim, porém a quantidade para quem come bem, não era suficiente,
além do espaço do refeitório ser minúsculo pelo tanto de passageiro.
A beleza da natureza é
realmente magnífica nesse pedaço do Brasil. Ao longo da subida do rio, de pouco
em pouco vemos algumas casas de ribeirinhos; povo que vive do que a floresta e o
rio lhes proporcionam; de tanto em tanto tinha alguns vilarejos com mais ou menos dez ou vinte casas, todas feitas em madeiras e o mais próximo possível da beira
do rio.
Quando o navio de passageiros
passava; mulheres e crianças vinham navegando com suas pequenas canoas de
madeira em direção ao grande barco, na espera que alguém jogasse algo; como
roupas, bolachas e outras coisas que pudessem se tornar úteis. Alguns
passageiros às vezes jogavam coisas dentro de sacolas plásticas, onde as pequenas
embarcações corriam para apanhar. Numa dessas passagens, veio rumo ao navio,
uma pequena canoa de madeira com uma mulher de uns trinta anos; uma criança de uns três
anos e outra criança com uns oito anos; a canoa de madeira era tão pequena e
vinha tão rente a água que não conseguiu se manter flutuando diante da onda da
nossa embarcação; sendo que a mesma virou, jogando os ocupantes todos, dentro
do imenso Rio Amazonas; logo veio outros pequenos barcos socorre-los; porem eu
só vi salvarem a mulher e a criança maior; a outra criança menor não conseguiu
ser salva, sumindo nas águas barrentas do grande rio. Segundo a mãe relatou em
meio a muitas lagrimas, que esse já era o terceiro filho que ela perdia para o
grande rio.
Continuamos navegando rio
acima margeando a ilha do marájo para chegarmos a Macapá que era o nosso
destino; tudo correndo muito bem até que começou a escurecer. Para quem não
está acostumado com a navegação noturna pelos rios da região, a sensação de
insegurança é inevitável; ainda mais que o Rio Amazonas tem um transito de
barcos, navios e balsas muito grande, subindo e descendo o rio dia e noite e
noite e dia. Mesmo um pouco inseguro nas primeiras horas da noite, fui até o
bar e fiquei observando o movimento, até que lá pelas 22h00min começou um
temporal de proporções amazônicas; ai realmente eu fiquei muito preocupado;
muita chuva, muito raio e muito vento; o rio começou formar marolas, o barco
balançando um pouco, a tensão foi aumentando; e para todo lado que se olhava
era só chuva, vento e escuridão; mesmo quando os relâmpagos clareavam o mundo,
nada se via que parecesse terra firme. Assim foi até próximo da meia noite; e o
tecnobrega continuava correndo solto; o povo que estava no bar, que por excesso
de bebida ou por já estarem acostumados com o ambiente, nem tomaram
conhecimento do balanço do barco. Depois da meia noite os ventos cessaram; as
águas se acalmaram; mas a chuva continuou ate amanhecer o dia; porém acho que
só eu estava tenso; pois o bar e o tecnobrega não pararam um minuto até as 2 da
manhã. As 06h00min da manha começou a clarear e o café começou a ser servido. Foi
um café realmente só para tirar o gosto do creme dental da boca; não da para
dizer que você esta tomando aquele café da manhã. Com a broca do estomago
tampada, fui novamente apreciar a paisagem; conversar com as pessoas e ver a
chuva que continuava a cair.
Neste cenário, a pressa,
o estresse ou qualquer tipo de compromisso com hora marcada não existe; aqui dependemos
de um navio que navega lentamente vencendo a correnteza do rio; que por sinal
depende do clima, que também depende de um pouco de sorte para se chegar a
algum lugar; tive noticia que uma semana antes dessa viagem, este mesmo navio
que estávamos, chocou-se com um tronco de arvore flutuando pelo rio durante a noite, danificou a hélice e o leme. Os ocupantes do barco ficaram ancorados no
meio do rio por dois dias, até que outra embarcação veio socorre-los e leva-los
aos seus destinos.
A viagem de Belém a Macapá
durou 24h30min horas, divididas entre observação da natureza, meditação,
alimentação, descanso, um pouco de leitura, e longas conversas com pessoas da
região; afinal celular e internet por essas bandas são raridades. As pessoas dessa
região utilizam os barcos, como a maioria das pessoas das grandes cidades,
utilizam ônibus para se deslocar de um lado para outro. Aqui as rodovias são os
rios.
Ao meio dia chegamos ao
porto de Macapá; logo já fui vendo, outro navio que iria com destino a
Santarém; porém o mesmo só sairia no outro dia às 18 horas; comprei a passagem,
guardei minhas malas no camarote que dessa vez consegui um camarote só para eu,
e sai para conhecer um pouco da cidade de Macapá; e logicamente arrumar um
restaurante digno de uma boa refeição.
Peguei um táxi para
conhecer um pouco da cidade de Macapá; parei no marco zero para tirar umas fotos;
ao menos para dizer que já tive no hemisfério norte, (rs). Para quem não sabe,
a linha do equador corta Macapá ao meio, e o marco zero é justamente onde
acontece o equinócio duas vezes ao ano; pude ter o privilegio de ficar com um
pé no hemisfério sul e o outro pé no hemisfério norte; logo adiante do marco
zero, tem um estádio de futebol que se chama Estádio Olímpico Zerão; neste
estádio, a linha do meio campo fica justamente na linha do equador; ou seja;
sempre que tem jogo, um time joga no hemisfério sul enquanto o outro joga no
hemisfério norte.
Seguindo em frente, passei
pela praia da fazendinha nas margens do Rio Amazonas; pelo antigo forte da
época da colonização portuguesa; passei também pela orla de Macapá, a procura
de um bom restaurante para tirar a barriga da miséria (rs). Achei um restaurante
simples, com comida boa e barata; comi a vontade por R$13 reais; uma pechincha;
alias comida aqui é muito barato. Barriga abastecida; fui conhecer melhor a
cidade.
A cidade de Macapá é bem
movimentada; tem uma orla bonita as margens do Rio Amazonas; tem um comércio aquecido,
com muitas lojas de redes famosas; tem um porto movimentado; tem algumas belas
construções; porém é mal cuidada e com lixo e mato para todos os lados; aqui
como em outras cidades da região norte carece muito da coleta de lixo mais
eficiente e saneamento básico; educação ambiental nas escolas seria um bom
começo.
Cidade conhecida, pelo menos
superficialmente; voltei para o meu novo lar temporário que me levaria até
Santarém no dia seguinte.
Com a chuva que não cessava,
aproveitei o tempo disponível para escrever um pouco sobre a viagem; ver as
notícias do Brasil pela internet e observar o movimento do porto.