sábado, 11 de junho de 2016

VIAGEM DE MANAUS À PORTO VELHO

    
   
              No dia 21/05/2016 as 19:40 horas saímos do Porto de Manaus navegando rumo a Porto Velho; aos poucos a grande cidade construída no meio da floresta foi ficando para trás, naquela imensidão de água e floresta; navegando a bordo da balsa Almirante Moreira IX, descendo o Rio Amazonas até próximo à cidade de Itacoatiara, virando para a direita e subindo pelo Rio Madeira. A noite estava maravilhosa; lua cheia; céu estrelado; brisa típica dessa imensidão de rio; uma reflexão solitária de tudo que a vida já me proporcionou se torna inevitável, diante do quanto nos sentimos insignificantes perante a imensidão da natureza; é uma terapia indescritível; você nesse mundão de meu deus; sentindo o ambiente e contemplando as belezas da noite; realmente não tem como não sensibilizar-se. 

No meio da madrugada, o cansaço falou mais alto; entrei no camarote e fui descansar. Na manhã seguinte acordei cedo e desci para tomar café; quando para minha surpresa já não tinha mais café; meio indignado eu perguntei a que horas serviam o café; o sujeito da cozinha me disse que era às 6 horas da manhã, naquela hora já não tinha mais café; detalhe que eram apenas 6:30 horas; como minha disposição para certas coisas é bem pouca, voltei para o camarote e fui comer umas bolachas que tinha trazido. Mais uma vez ficou provado que barco com refeição inclusa no valor da passagem não é uma boa opção, mesmo pagando um preço elevado pela passagem, o tratamento deixa muito a desejar. A impressão que tive em todos os barcos que viajei, foi que para os proprietários dos barcos que navegam pela Amazônia; o passageiro não é um cliente e sim uma carga como outra qualquer a ser transportada; portanto não precisa de muitos cuidados; a comida no geral não tem qualidade e nem variedades; os horários não são flexíveis; café da manhã começava as 6:00 horas e seguia até hora que acabace o café (geralmente acabava em 20 minutos); o cardápio tinha café com leite e pão com manteiga; isso só foi no primeiro dia que consegui tomar o café; os dias seguintes nem o pão tinha mais; era leite, café e bolacha de água e sal. O almoço começava as 11:00 horas e seguia até hora que acabasse a comida; no cardápio era sempre a mesma coisa; arroz, feijão, macarrão sem tempero e sem molho, uma carne e salada de repolho com pepino. O jantar começava às 17:00 horas e seguia até acabar a comida; o cardápio do jantar eu não soube qual era, pois nunca tive fome para jantar as 17:00 horas. O anúncio avisando que estava na hora das refeições; eram feitos com um apito igual aqueles que se usam para apitar jogos de futebol; toda vez que eu ouvia o som do apito, tinha a sensação que era o tratador anunciando para a porcada que a lavagem já estava no coxo. O primeiro dia navegando pelo Rio Madeira não teve muita diferença dos outros dias em outros barcos; conversas com varias pessoas, som alto no bar; rio e mata passando; coisas que já vão se tornando rotineiras para alguém que já estava com mais de 3 mil km navegados (rs); mas alguns detalhes  sempre marcam. Por esta viagem ser mais longa que as outras, teve muito mais conversas e uma aproximação maior com os companheiros de viagens. 

Conheci um grupo de quatro colombianos vindos de Medelin; terra do famoso traficante de drogas; Pablo Scobar; estavam indo com destino a Córdoba na Argentina; iriam até Porto Velho; depois entrariam pela Bolívia; depois Paraguai e finalmente Argentina. Não entendi muito bem o que eles iriam fazer em Córdoba; a impressão que tive, era que eles estavam fugindo de alguma coisa no país de origem; não prolonguei a conversa que tivemos em portunhol; mantive certa distância, por acharem eles um pouco folgado demais para o meu gosto. Conheci também o Sr. Romeu; um senhor de 58 anos; ex- caminhoneiro; ex-madeireiro; ex-fazendeiro; ex-botequeiro; ex-maconheiro; ex-dono de puteiro; atualmente pastor evangélico; como disse ele; depois que não tem mais onde o sujeito não prestar, vem o chamado de Deus para mudar de vida e levar a palavra; este passou a viagem toda em vão, tentando me converter para a sua religião. Conheci um jovem casal e mais cinco amigos, todos venezuelanos, fugindo do governo bolivariano de Nicolas Maduro; estavam seguindo de mudança para o Uruguai, onde já tinha outros venezuelanos fugindo do regime; disseram que viver na Venezuela estava muito difícil economicamente, e muito perigoso por causa das perseguições política; até falar ao celular estava perigoso; estavam seguindo da Venezuela para o Uruguai de carona, pois o pouco dinheiro que tinham, era para a alimentação; o único gasto com transporte estava sendo com o barco. 

Conheci o seu Pedro Cabeludo; garimpeiro no Rio Madeira a mais de 30 anos; entre tantas histórias que me contou sobre o garimpo, algumas histórias e muitas expressões verbais me chamaram à atenção; disse que na balsa que ele e mais cinco companheiros trabalhavam, todo o ouro que conseguiam, eram divididos em três partes iguais; a primeira parte era para custear as despesas da balsa que lá eles chamam de escarifuça; a segunda parte era para manter a família, que normalmente moram longe, e a terceira parte era para o “equilíbrio dos homens” (termo usado pra falar sobre os gastos com prostitutas e bebidas); em muitas partes da conversa, eu pedia a tradução das expressões usadas por ele. “FOFOCA” é o lugar onde descobriu que tem ouro; “BAMBURROU” é o termo usado quando alguém encontrou ouro suficiente para ficar rico ou passar um bom tempo só na farra sem precisar trabalhar; “O BRUTO” é o sujeito novato no garimpo; aquele que não tem experiência no serviço; “FOI ESCARRADO” é o termo usado para dizer que o individuo foi demitido do trabalho; disse que foi mergulhador por vinte e dois anos, e passava em media oito horas por dia no fundo do rio, com uma mangueira sugando todo o cascalho, e mandando para pequena  balsa de madeira, para ser lavado e extraído o ouro; porém parou de mergulhar porque ficou com um dos ouvidos espocado (estourado); para não pegar friagem no peito por causa dos constantes mergulhos, disse que uma vez por semana tomava café com banha de onça ou banha de sucuri. 
         Conheci também uma mulher por nome Jussara Roço; Peruana de Cuzco; morena alta, com traços indígenas; contou-me que pertenceu a um grupo guerrilheiro que atua na fronteira do Peru com a Colômbia; depois de cinco anos morando na selva em acampamentos improvisado, resolveu mudar de vida, e veio para o Brasil começar uma nova vida; por lá estava recebendo ameaças por parte dos seus antigos companheiros de armas; viveu um ano em Manaus, e agora estava indo de mudança para Porto Velho onde tinha uns parentes que haviam vindo recentemente da Bolívia. 
            Enfim após aproximadamente 120 horas navegando, chegamos a Porto Velho, capital do estado de Rondônia. Depois de 5 dias e 5 noites navegando pelo Rio Madeira, quase todos os passageiros do barco ficaram de alguma forma próximos; quase amigos; foi uma sensação estranha despedir dessas pessoas; algumas de outros países; alguns que estão em busca de seus sonhos; outros apenas estão vivendo sua vida rotineira de gente que escolheu a Amazônia como o seu lugar de partida e de retorno; outros como eu, que apenas resolveu dar uma pausa na rotina da vida para conhecer mais um pouco do nosso pais e meditar sobre a vida; enfim, são pessoas que provavelmente jamais voltarei a velos; porém foi justamente com esse confinamento forçado pela circunstância, que tornou possível essa aproximação entre pessoas de mundos tão diferentes; com isso foi possível conhecer muitas histórias de vidas; observar muito a paisagem; meditar bastante e repensar muitas coisas da própria vida; afinal para quem é bom observador e medita muito sobre a vida; não tem como fazer uma viagem dessas e voltar do mesmo tamanho. Desci no porto, peguei um táxi para seguir até um hotel para um merecido descanso. 

          Porto Velho foi o primeiro lugar nesta viagem, que desci do barco e não tinha nenhum motorista de táxi à espera de passageiros; tive a impressão que não estão precisando trabalhar; se quis pegar um táxi, tive que andar muito longe do porto para conseguir um. Após dar umas voltas e conhecer melhor Porto Velho; hospedei num hotel em frente à rodoviária; no outro dia de manhã peguei o ônibus com destino à Rio Branco capital do estado do Acre e ponto final dessa viagem.



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